Seguidores

Músicas

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

AUSÊNCIA (Exercício inepto da existência) - Peça em um ato.

(Foto: Sebastião Salgado)

O espectador é introduzido no espaço cênico com a ação já em andamento, não partindo de um "começo" de cena. Ritmo lento. Os dois personagens estão como que confidenciando um ao outro. Possuem erudição, nunca sabedoria. São cínicos e impermeáveis a tudo, a todos e a eles próprios. Não são parceiros, cúmplices, embora possuam uma mesma postura e uma mesma linha de raciocínio obtuso, desumano, frio, patético, estatístico, distanciado e calhorda, que os une, casualmente. Usam ternos, padronizando-os, uniformizando-os. São cleans e aparentam uma não saúde, uma espécie de apatia "pálida". São neutros e podem ser ou políticos ou empresários ou banqueiros ou burocratas ou executivos ou juristas etc. Há certo clima de absurdo. Passeiam pelos assuntos e exercitam uma erudição verborrágica vazia. Fazem citações. Podem lembrar andróides ou clones. Não são perversos, apenas técnicos, científicos, desinfetados, precisos no pior sentido do termo. Estão como que dissecando algo. Comunicam-se sem se comunicar. OUTRO, desde o início, lenta e vitreamente, vai preparando uma dose de heroína numa seringa. Referem-se, implicitamente, à realidade recente social e política do Brasil.

UM - ... Crianças comem cactos... a planta é usada por fazendeiros para alimentar o gado na seca...
OUTRO - Cacofagia... estado mórbido em que o indivíduo é levado a ingerir matérias fecais ou outras imundícies...
UM - Cactos dão flores... algumas grandes e de cores vivas!
OUTRO - A situação de miséria que atinge cerca de um quarto daquela população de sertanejos fez surgir no Município casos de demência atribuídos à má alimentação. São os chamados "loucos da fome"...
UM - Loucos da Fome... li algo sobre... curioso... essas pessoas acabam, de uma maneira ou de outra, encontrando alternativas para manterem-se vivas...
OUTRO - A coisa não é tão dramática quanto se mostra... franceses comem scargots!... ribeirinhos comem outro tipo de molusco, chamado turu... extraem de troncos de árvores molhados pela maré... têm sempre, para matar a fome, uma madeira molhada em casa onde os turus se proliferam... não há diferença, do ponto de vista técnico...
UM - A devastação dos açaizais por empresas produtoras de palmito ajudou a aumentar o consumo de turu naquela região... o palmito era dos principais alimentos para aqueles miseráveis...
OUTRO - A subnutrição tem gerado demência naqueles sertanejos...
UM - São apenas sertanejos... não sejamos hipócritas... de qualquer forma eles são mesmo inferiores, como os judeus, os índios ou os negros... embora não seja kardecista ou pertença a qualquer outra corrente espiritualista ou filosófica, exceto ao bom pragmatismo materialista positivista, devo dizer que considero, digamos, cármico, e que, desse modo, incluem-se no espectro evolutivo... veja, como exemplo: um homem pode ter a seguinte linha em suas, digamos, encarnações: animal, famélico, negro, judeu, mulher, oriental de segunda categoria, cambojano talvez, de primeira, japonês, homem branco etc...
OUTRO - Famélico... bela palavra... "Através da campina trotaram dois lobos, esgalgados, famélicos, com os verdes olhos acesos"... Eça de Queirós... já reparou no olhar de um faminto? É interessantíssimo, oco, morto, mas, também, vigilante, predatório... é de uma dialética curiosíssima, que produz um efeito devastadoramente estético...
UM - Esgalgado... "magro como um galgo, escanzelado"...
OUTRO - Escanzelado... "magro como um cão faminto"... escanifrado... Galgo: "esfomeado, sedento ou desejoso de qualquer coisa"...
UM - Escanifrado: descarnado... "estava escanifrado, de olhos fundos, desenhando-se-lhe a ossatura acidentada sob a colcha de retalhos"... Godofredo Rangel...
OUTRO - São imagens fortes... são poéticas... e necessárias enquanto referencial... são níveis de existência que cumprem uma função determinada...
UM - Deixaria um homem sem comer alguns dias apenas para arrancar-lhe o efeito desse olhar e utilizá-lo, digamos, esteticamente?
OUTRO - Sim, uns poucos dias não seriam um problema... estão acostumados em sua resistência a mais do que isso...
UM - São identificáveis, decerto, aspectos positivos: a alma se fortalece com o sofrimento e... a carcaça fica curtida como couro!... Sob esse ângulo, crianças famintas têm mais sorte na luta pela sobrevivência que filhinhos burgueses de frágil pela clara... claro que se trata de uma questão de enfoque e não de um problema real...
OUTRO - Indolência...
UM - E num nível mais sutil, marginais, párias, artistas decadentes, assalariados etc. etc., até atingirmos o ápice da raça com, digamos, políticos, empresários... elites em geral... ocidentais, obviamente...
OUTRO - Paria... no sistema hindu de castas, a mais baixa, constituída pelos indivíduos privados de todos os direitos religiosos ou sociais, seja pelo nascimento ou pela exclusão da sociedade... homem excluído da sociedade... "juntos do sólio e da opulência opima / mil párias disputando aos cães um osso"... Raimundo Correia...
UM - Exato...
OUTRO - Numa outra escala de valores podemos ter: Somália ou Etiópia, Brasil etc. etc. etc., EUA ou França na outra ponta...
UM - É mesmo imunda toda essa escória nojenta... alimentando-se de turus e desenvolvendo espectros apavorantes...
OUTRO - Os loucos da fome se proliferaram, naquela região, em até seis casos semanais registrados por ano... têm entre 14 e 21 anos, deliram e perdem a capacidade de orientação durante as crises... os médicos atribuem a causa à uma alimentação inadequada desde a infância...
UM - As crianças, ali, comem cacto!... a planta é usada pelos fazendeiros da região como ração para gado!...
OUTRO - Esses indivíduos podem, chegando a um determinado estágio da loucura, ficar permanentemente comprometidos...
UM - Em Minas Gerais encontraram um homem, que se denomina Jesus Cristo de Nazaré, vivendo nos esgotos... bebe da água pútrida que percorre as galerias pestilentas da capital mineira... e se alimenta de lixo!...
OUTRO - Parece não haver limites para o nível de degradação a que os homens, individualmente, podem submeter-se e serem submetidos...
UM - Acha que uma sociedade que admite que seus membros vivam em bueiros está enferma e correndo o risco de uma ruptura no sistema diante da indiferença e da desumanização?...
OUTRO - Não creio... é uma fatalidade inevitável...
UM - Em casos assim, a experiência dos campos de concentração é algo que deve ser levado em conta... a ciência já tem a tecnologia para a fabricação de clones humanos... não para homens dessa natureza, é claro...
OUTRO - Para isso ainda existem estúpidos impedimentos éticos...
(OUTRO prepara uma dose de heroína e mantém-se apático)
UM (sem perceber o ato de OUTRO) - ... existem...

NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO

Depois de prefixo, quando a segunda palavra começar com s ou r, as consoantes devem ser duplicadas. Exemplos: antirreligioso, antissemita, contrarregra. No entanto, o hífen será mantido quando os prefixos terminarem com r, como hiper-, inter- e super-. Exemplos: hiper-requintado, inter-resistente, super-revista.

QUEM SOU EU

Minha foto
Salvador, BA, Brazil
Sou paulista, tenho 44 anos, e a seis anos moro em Salvador, Bahia, aonde vim fazer meu mestrado em arte-educação na Universidade Federal da Bahia. Sou professor de Metodologia de Pesquisa Científica na Faculdade São Tomaz de Aquino, nos cursos de Direito, Pedagogia e Comunicação. Presto serviços em Metodologia de Pesquisa Científica - minha especialidade - e Redação pela TEXTO&CONTEXTO: cursos, consultoria e normatização para textos científicos. Tenho atuado a mais de 15 anos junto a alunos de graduação e pós-graduação de universidades como UFBA, Uneb, USP, Unicamp, Unesp, UFPE, UFSC, FGV e universidades de Portugal e África, dentre outras. Em 2008, iniciei disciplinas no doutorado em Educação na UFBA como aluno especial.

ESTRADA

  • Nasci em São Paulo, capital, e fui criado no bairro da Moóca, tipicamente de classe média italiana, nascido como bairro proletário.
  • Nos anos de 1987 e 1988 fui membro individual da Anistia Internacional e em 1989 fui membro de grupo, escrevendo cartas para chefes de Estado e de Governo do mundo todo em prol de presos políticos e de consciência.
  • Em 1989, iniciei bacharelado no Instituto de Artes da Unicamp.
  • Em 1993, trabalhei como voluntário responsável pela biblioteca no Centro Boldrini, hospital referência no tratamento do câncer infantil, em Campinas.
  • Em 1996, com mais seis amigos, fundei o Centro de Cultura e Convívio Cooperativa Brasil, em Campinas.
  • Em 2000, escalei o vulcão Villarica, no Chile, o mais ativo da América do Sul, com quase 4 mil metros.
  • Em 2001, conclui especialização em Metodologia de Pesquisa Científica pela Unicamp.
  • Em 2003, graduei-me na ABADÁ-Capoeira.
  • Em 2007, conclui mestrado na área de arte-educação pela UFBA.
  • Desde 2007, sou membro da Igreja Batista da Graça.
  • Atualmente, sou Membro Internacional e de Rede de Ação Urgente da Anistia Internacional, escrevendo cartas para chefes de Estado e de Governo do mundo todo em prol de presos políticos e de consciência.

MEUS CONTATOS