(Foto: Soubim)
Ouço a lembrança dos fortes latidos de meu cão. Vejo pupilas molhadas de muita personalidade canina. Presa na grade, a pequena cabeça luta para viver, onde minha mão estoura o velho ferro para não morrer o que já se ama. Um lapso agudo e urgente do que é amar. Ao fundo, quieta, a grama, como cobrindo todos nós. Lembro a convulsão de minha pequena cadela envenenada e o chamado do cão. Penso no que se perde e no que se deixa por tão pouco e por tão vício e por tanta ruindade. Passa por mim, como vulto, a cachorrinha já sendo socorrida por eles. Por minha irmã, por minha mãe, por meu irmão. Puros em desespero de almas acuadas e apartadas na madrugada da amargura. Passa por meu irmão e por meu filho que morreram e que não vi que morreram. No escuro e no frio. Que não vi e que não vejo. Quanto mais consigo ser cego? O que eu vejo, já, é a longa agulha e o médico e o susto e o medo e a dor e o passado e a outra cidade e o carnaval e a violência e o apego e a mulher. A mulher que foi e a mulher que será. A mulher que é. E o sono de meu pai. A ausência do corpo e o sono à beira da cama no tapete. Inquieta por não se suster nas próprias pernas, por não me suster no medo mesmo de se ir. O abandono. O ser só. O medo, imensurável, de se perder o que não se tem... Então, corto e reflito nas eleições presidenciais daquele ano de 1996, do calendário cristão dos Estados Unidos da América. Estes Estados Unidos e imperiais foram naquele momento uma nação com um risco apenas zunindo e ecoando da boca de um Jirinowski de verem-se convergir a outro neofascismo, depois concretizado por Bush. O que luta por não reconhecer a fragilidade e os direitos das minorias. Aquele mesmo que deportou pessoas para longe de suas famílias e casas. Idêntico ao que não sente os filhos pelos quais as mães choram, perdidos todos os que choram e os que se perderam. E um homem e uma mulher já não poderão, rindo, caminhar de braços dados completamente banhados do outro...