(Foto: Motostefano la prossima)
Nosso sistema econômico e político só faz empurrar as pessoas para a margem da sociedade, obrigando-as a seguirem uma lei que não as ampara, dando-lhes todos os deveres e nenhum dos direitos, e quando essas pessoas se desestabilizam material e mentalmente ao extremo, especialmente pais de família, e entram como massa de manobra na criminalidade sedutora, o Estado sumariamente as trancafia como bodes expiatórios numa espécie de instituição superior do crime, donde, aí sim, saem verdadeiramente criminosos especializados, após deixarem seus filhos relegados às ruas, sementes da miséria do amanhã. Não há autoridade moral nos governos responsáveis pela tragédia que é hoje a vida humana; há, sim, hipocrisia em culpabilizar os pobres em última instância, a partir de certa aura purista e cínica das elites. “O camelô Bigmar Arancibia, 33 anos, disse que seu negócio andava muito ruim e que ele não tinha mais como alimentar a mulher e os filhos. Agora, está numa cadeia na cidade fronteiriça de Corumbá e provavelmente não verá a família durante anos. A polícia o prendeu com 3,5 quilos de pasta de coca na sacola quando ele aparentemente seguia os passos de milhares de ‘mulas’ que atuam nesta conhecida rota do narcotráfico entre os Andes bolivianos e as cidades brasileiras. ‘Eu não tinha dinheiro suficiente para viver’, disse Arancibia à Reuters (COLITT, 5/3/2009), soluçando em uma cela lotada e quente de Corumbá. A pobreza leva as ‘mulas’ a assumirem riscos terríveis. Algumas mulheres colocam pacotes do tamanho de bolas de beisebol em suas vaginas, e muitos engolem cápsulas com cocaína. Correm risco de morte se uma cápsula estourar. Uma mulher passou 30 dias internada para expelir 98 cápsulas que tragara. ‘É um trem humano de contrabando. Corumbá é um dos principais portos de entrada do Brasil para drogas e armas’, disse Mario Nomoto, delegado da Polícia Federal. A droga contrabandeada por Corumbá acaba alimentando a violência em cidades brasileiras, como o Rio”, já que junto com a droga vinda da Bolívia, Colômbia, Paraguai e Peru vêm as armas para protegê-las e muitas acabam nas mãos de criminosos nas metrópoles (a propósito, fala-se no Rio, mas em São Paulo há três vezes o número de favelas cariocas, incrustadas por toda a cidade e não apenas pela periferia, como muitos consideram erroneamente). O Brasil é um país de trânsito da droga, principal corredor para a Europa e os Estados Unidos, não é um país produtor, mas é o segundo em consumo atrás apenas da América. Alimenta os mercados interno, americano e europeu desde inúmeras rotas. Aqui, políticos, juízes e empresários - reais comandantes do tráfico, patrões dos “beira-mares” da vida - enriquecem com o narcotráfico e a lavagem de dinheiro. “De dia”, articulam leis e medidas sociais profiláticas e a prisão de peixes menores, e, “de noite”, comandam digitalmente o narcotráfico de suas mansões em bairros nobres de São Paulo, Rio e Brasília. Não tocam na cocaína - a não ser para consumo. Comandam o tráfico, a lavagem e as conexões com as máfias internacionais - Cosa Nostra (Itália); La Cosa Nostra (EUA); Tríades Chinesas; Yakusa (Japão); e máfias russas e do Leste europeu. Os ditos mega traficantes - Abadia, Beira-Mar, Marcinho VP e outros – são e foram médios no organograma da droga, gerentões do tráfico da elite brasileira, peixes pequenos, nada mais que isso, comprovado há muito e por muitos. Por outro lado, o sistema e os governos só facilitam a lavagem, problema central do narcotráfico, uma vez que a desregulamentação acelerada da economia com o triunfo da globalização fez com que os mecanismos de controle do sistema financeiro mundial se tornassem ainda mais frágeis. Nunca o capitalismo foi tão propício a aplicações, transferências, guarda e especulação com dinheiro de procedência supostamente ignorada, afirma Mario Magalhães, autor de O narcotráfico (2000). É o Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas (UNDCP), e não um grupo anticapitalista que afirma, segundo Magalhães: “As organizações criminosas envolvidas com drogas ilícitas respondem às oportunidades criadas pela globalização da economia de mercado. A década passada viu grandes passos na desregulamentação bancária e na privatização de negócios de Estado”... Bem, quanto ao título, de mulas e peixes já falamos. Os peixes não dormem, apenas alternam estados de vigília e repouso... Quanto à mula, é animal estéril... Mas, com tudo isso, e quanto aos patos e burros?